_____ ...como todas as outras. Levantei da cama, tomei uma chuveirada fria e me preparei para tomar café. Minha mãe sorria para mim, assim como todos os dias, e perguntou se eu havia dormido bem. Sem olhar em seu rosto, apenas balancei a cabeça confirmando que sim, olhando fixamente para a toalha da mesa que tinha lindos girassóis bordados.
_____Comi pouco, subi para o meu quarto e arrumei minhas coisas para ir à escola. Foi então que sentei em minha cama e por um momento o mundo parou. Do nada e sem motivo nenhum, um filme da minha vida começou a passar em minha cabeça. O mais engraçado, é que nesse filme não se passava tudo que eu tinha vivido até ali, mas sim tudo que eu gostaria de viver e nunca fiz. Duas lágrimas escorreram do meu rosto, quando fui "acordada" pela buzina do carro de meu pai. Desci as escadas lentamente, minha mãe me esperava na porta me desejando um bom dia e, pela primeira vez no dia, eu correspondi ao sorriso que estava em seu rosto. Ela me abraçou e simplesmente disse: "- Te amo da forma que você é!" Calada estava e calada fiquei.
_____No carro em direção à escola, a única coisa que podia ser ouvida era uma música dos anos 80 que tocava na rádio. No caminho inteiro, como todos os dias, meu pai não deu uma palavra sequer. Desci do carro e fiquei parada em frente à escola. Novamente aquele filme consolidou-se em minha vista, e mais duas lágrimas rolaram em minha face. Respirei, enxuguei o rosto e comecei a andar em direção à minha sala. Não ouvi nada do que a professora de Literatura falou, meus pensamentos estavam nem eu sei aonde. Um vazio dentro de mim me dizia que eu precisava de algo, e o que mais me intrigava era não saber o quê. Levantei-me de supetão, todos olharam para mim. Saí da sala sem dar satisfações e fui andando em direção ao banheiro feminino. Lá dentro, lavei meu rosto e olhei meu reflexo no espelho. Me desconheci. Tudo que pude ver foi uma menina magra, de cabelos encaracolados, olhos pretos e grandes olheiras. Alguém que não tinha amigos, não tinha beleza, não tinha amor, não tinha nada. Olhei para tudo que tinha feito em 17 anos de vida, e nada se encaixava com aquele filme que constantemente insistia em passar em minha mente. Chorei. Chorei pela primeira vez, desde meus 6 anos de idade quando prometi a mim mesma não chorar por mais nada. Sentei no chão do banheiro e não conseguia levantar. Banhada em lágrimas, não encontrava uma razão para me reerguer e voltar à sala de aula, onde provavelmente todos estavam estranhando minha estranha reação.
_____Horas depois, ouvi o sino tocando. Era hora de ir embora. Levantei com o rosto desfigurado, fui em direção à saída. Ao contrário de todos os dias, o carro do meu pai não estava estacionado em frente ao portão de entrada. Não havia nenhum carro conhecido. Sentei nas escadas e esperei. Todos foram embora e eu permaneci lá. Baixei minha cabeça fazendo com que ficasse encostada em meus joelhos. Não estava assustada. Ninguém apareceu.
_____Já era noite e decidi ir para casa caminhando. Em menos de 10 minutos de caminhada, vi uma garota com uma arma na mão, mirando em sua própria cabeça. Parei em frente à ela e fitei em seus olhos. Ela ficou estupefata, e estranhou eu ter ficado apenas olhando. Ela chorava como uma criança quando se perde da mãe. Sem entender porque, eu a abracei forte. Não me recordava da última vez em que tinha abraçado alguém com tanta força. Ela sorriu. Disse que era tudo que ela precisava naquele dia, e começou a desabafar sobre os problemas que lhe atormentavam. Da boca dela ouvi a história da minha vida. A única diferença é que eu não estava com uma arma na mão determinada a dar fim em minha inútil vida. Sentamos na calçada e começamos a rir. Rimos como duas amigas de infância que não se viam a muito tempo. Ela jogou a arma longe e saimos caminhando. Sabe aquele filme que passava na minha cabeça? O dela era bem parecido. Viramos grandes amigas, e aaquele dia em diante, decidimos que aquilo deixaria de ser um "filme" e passaria a ser um roteiro diário. Hoje, me olho no espelho e vejo aquela mesma menina magra e de cabelos encaracolados. As olheiras cobertas por pó de arroz me fazem rir de mim mesma. A única diferença é que agora eu estou viva.
Ficou um texto gigante e eu nem sei de onde surgiu, confesso. O caso é que agora eu me sinto aliviada. Não estava muito bem hoje, mas agora sinto-me livre. Se você se deu ao trabalho de ler todo o texto, por favor diga-me o que achou. É um texto fictício, mas quantas pessoas já não tiverem um momento assim na vida? Hoje eu aprendi que, assim que eu aprender a confiar em mim mesma, saberei como viver. Aquele abraço.